Decisão:
1. Trata-se de petição instaurada com lastro no termo de
depoimento do colaborador José de Carvalho Filho (Termo de
Depoimento n. 2), o qual relata que, no ano de 2010, participou de
reuniões com o então Deputado Federal Flávio Dino, tratando de
questões acerca do Projeto de Lei 2.279/2007, o qual atribuiria
segurança jurídica a investimentos do Grupo Odebrecht. Num desses
encontros, teria lhe sido solicitada ajuda para campanha eleitoral ao
governo do Estado do Maranhão, pagamento efetuado no total de R$
400.000,00 (quatrocentos mil reais). A senha para receber o repasse
teria sido entregue à época ao próprio parlamentar, sendo a
operação realizada pelo Setor de Operações Estruturadas e
registrada no sistema “Drousys”.
Afirmando
que não existe menção a crimes praticados por autoridades
detentoras de foro por prerrogativa de função nesta Corte, requer o
Procurador-Geral da República o reconhecimento da incompetência do
Supremo Tribunal Federal para a apuração dos fatos. Considerando
que o suposto beneficiário das doações exerce cargo de Governador
do Estado do Maranhão, postula autorização para que “utilize
o material pelo foro competente, o Superior Tribunal de Justiça”
(fls. 5-6). Pede, por fim, “o levantamento do sigilo em
relação ao Termo de Depoimento aqui referido, uma vez que não mais
subsistem motivos para tanto” (fl. 5).
2.
De fato, conforme relato do Ministério Público, não se
verifica, nesta fase, o envolvimento de autoridade que detenha foro
por prerrogativa de função nesta Corte, o que possibilita, desde
logo, o uso de cópia das declarações prestadas pelos colaboradores
perante o juízo indicado como, em tese, competente.
3.
Com relação ao pleito de levantamento do sigilo dos autos, anoto
que, como regra geral, a Constituição Federal veda a restrição à
publicidade dos atos processuais, ressalvada a hipótese em que a
defesa do interesse social e da intimidade exigir providência
diversa (art. 5º, LX), e desde que “a preservação do direito
à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação” (art. 93, IX).
Percebe-se,
nesse cenário, que a própria Constituição, em antecipado juízo
de ponderação iluminado pelos ideais democráticos e republicanos,
no campo dos atos jurisdicionais, prestigia o interesse público à
informação. Acrescenta-se que a exigência de motivação e de
publicidade das decisões judiciais integra o mesmo dispositivo
constitucional (art. 93, IX), fato decorrente de uma razão lógica:
ambas as imposições, a um só tempo, propiciam o controle da
atividade jurisdicional tanto sob uma ótica endoprocessual (pelas
partes e outros interessados), quanto extraprocessual (pelo povo em
nome de quem o poder é exercido). Logo, o Estado-Juiz, devedor da
prestação jurisdicional, ao aferir a indispensabilidade, ou não,
da restrição à publicidade, não pode se afastar da eleição de
diretrizes normativas vinculantes levadas a efeito pelo legislador
constitucional.
D’outro
lado, a Lei 12.850/2013, ao tratar da colaboração premiada em
investigações criminais, impôs regime de sigilo ao acordo e aos
procedimentos correspondentes (art. 7º), circunstância que, em
princípio, perdura, se for o caso, até o eventual recebimento da
denúncia (art. 7º, § 3º). Observe-se, entretanto, que referida
sistemática deve ser compreendida à luz das regras e princípios
constitucionais, tendo como lastro suas finalidades precípuas, quais
sejam, a garantia do êxito das investigações (art. 7°, § 2º) e
a proteção à pessoa do colaborador e de seus próximos (art. 5º,
II). Não fosse isso, compete enfatizar que o mencionado art. 7°, §
3°, relaciona-se ao exercício do direito de defesa, assegurando ao
denunciado, após o recebimento da peça acusatória, e com os meios
e recursos inerentes ao contraditório, a possibilidade de
insurgir-se contra a denúncia. Todavia, referido dispositivo que,
como dito, tem a preservação da ampla defesa como razão de ser,
não veda a implementação da publicidade em momento processual
anterior.
4.
No caso, a manifestação do órgão acusador revela, desde logo,
que não mais subsistem, sob a ótica do sucesso da investigação,
razões que determinem a manutenção do regime restritivo da
publicidade.
Em
relação aos direitos do colaborador, as particularidades da
situação evidenciam que o contexto fático subjacente, notadamente
o envolvimento em delitos associados à gestão da coisa pública,
atraem o interesse público à informação e, portanto, desautorizam
o afastamento da norma constitucional que confere predileção à
publicidade dos atos processuais. Com esse pensamento, aliás, o
saudoso Min. TEORI ZAVASCKI, meu antecessor na Relatoria de inúmeros
feitos a este relacionados, já determinou o levantamento do sigilo
em autos de colaborações premiadas em diversas oportunidades,
citando-se:
Pet.
6.149 (23.11.2016);
Pet.
6.122 (18.11.2016);
Pet.
6.150 (21.11.2016);
Pet.
6.121 (25.10.2016);
Pet.
5.970 (01.09.2016);
Pet.
5.886 (30.05.2016);
Pet.
5.899 (09.03.2016);
Pet.
5.624 (26.11.2015);
Pet.
5.737 (09.12.2015);
Pet.
5.790 (18.12.2015);
Pet.
5.780 (15.12.2015);
Pet.
5.253 (06.03.2015);
Pet.
5.259 (06.03.2015)
Pet.
5.287 (06.03.2015).
Na
mesma linha, registro o julgamento, em 21.02.2017, do agravo
regimental na Pet. 6.138 (acórdão pendente de publicação),
ocasião em que a Segunda Turma desta Corte, por unanimidade,
considerou legítimo o levantamento do sigilo de autos que contavam
com colaboração premiada, mesmo anteriormente ao recebimento da
denúncia.
No
que toca à divulgação da imagem do colaborador, cumpre enfatizar
que a Lei 12.850/2013 determina que, sempre que possível, o registro
das respectivas declarações deve ser realizado por meio audiovisual
(art. 4°, §13). Trata-se, como se vê, de regra legal que busca
conferir maior fidedignidade ao registro do ato processual e, nessa
perspectiva, corporifica o próprio meio de obtenção da prova. Em
tese, seria possível cogitar que o colaborador, durante a colheita
de suas declarações, por si ou por intermédio da defesa técnica
que o acompanhou no ato, expressasse insurgência contra tal
proceder, todavia, na hipótese concreta não se verifica, a tempo e
modo, qualquer impugnação, somente tardiamente veiculada.
Assim,
considerando a falta de impugnação tempestiva e observada a
recomendação normativa quanto à formação do ato, a imagem do
colaborador não deve ser dissociada dos depoimentos colhidos, sob
pena de verdadeira desconstrução de ato processual perfeito e
devidamente homologado.
Por
fim, as informações próprias do acordo de colaboração, como, por
exemplo, tempo, forma de cumprimento de pena e multa, não estão
sendo reveladas, porque sequer juntadas aos autos.
À
luz dessas considerações, tenho como pertinente o pedido para
levantamento do sigilo, em vista da regra geral da publicidade dos
atos processuais.
5.
Ante o exposto: (i) determino levantamento do sigilo dos autos;
(ii) defiro o pedido do Procurador-Geral da República para o uso de
cópia do termo de depoimento do colaborador José de Carvalho Filho
(Termo de Depoimento n. 2), e documentos apresentados, junto ao
Superior Tribunal de Justiça. Registro que a presente deliberação
não importa em definição de competência, a qual poderá ser
reavaliada nas instâncias próprias.
Atendidas
essas providências, arquivem-se.
Publique-se.
Intime-se.
Brasília,
4 de abril de 2017.
Ministro
Edson Fachin
Relator
Documento
assinado digitalmente